sexta-feira, 5 de junho de 2009

Adoção de irmãos: afeto multiplicado - por Vanessa Araújo

Desde que casou, Renata Vitorino, 38, tinha vontade de adotar uma criança. Aos 35 anos, sem ter conseguido engravidar, resolveu, junto com o marido, procurar o NAEF (Núcleo de Adoção e Estudos da Família), serviço de Adoção da 2ª Vara de Infância e da Juventude em Recife. Em novembro de 2005, providenciaram a documentação necessária e marcaram a entrevista psicossocial; em janeiro de 2006, receberam a visita da assistente social e da psicóloga para a entrevista. Após o parecer favorável, eles preencheram um cadastro, no qual optaram pelo seguinte perfil: adoção de até duas crianças, de 0 a 6 anos, independente de cor e sexo. Em abril do mesmo ano, o casal ficou surpreso ao saber que poderia ir buscar Marcondes, então com 1 ano e 5 dias de idade, para o estágio de convivência que durou dois meses.
Hoje, Marcondes tem quatro anos e a família Vitorino deu entrada novamente em outro processo de adoção. O perfil é semelhante, apenas com a ressalva de que uma das crianças seja menina, uma escolha do marido de Renata. Ao definir no cadastro “até dois filhos”, o casal se permite a adotar crianças irmãs, fato pouco comum. A rapidez com que o filho chegou a sua casa fez Renata perceber que a burocracia excessiva de que se fala é uma desculpa para aqueles que não querem adotar. “É importante que haja esse controle, porque se trata da vida de uma criança. Se formos comparar a uma gravidez biológica, a mulher espera aproximadamente nove meses para ter seu filhinho nos braços” – conta.
Membro da comissão fiscalizadora do GEAD (Grupo de Estudo e Apoio à Adoção) em Recife, Renata participa das reuniões mensais nas quais pais adotivos ou que pretendem adotar esclarecem dúvidas, trocam idéias e experiências e debatem acerca de um assunto que deixa pais adotivos inseguros: a revelação. O grupo é uma sociedade sem fins lucrativos, fundado em 1997, formado por psicólogos e educadores cujo enfoque central é a consolidação de uma nova cultura de adoção. Além de divulgar a importância do processo legal da adoção e estimular a adoção de irmãos, o grupo pretende desmistificar mitos e preconceitos, inclusive introduzindo o assunto nas escolas, para naturalizar essa realidade nas crianças.

GEAD promove a Semana da Adoção para orientar pais e interessados no tema

Do dia 25 de maio, considerado o Dia Nacional da Adoção, até 31 deste mês, o GEAD, em parceria com o Tribunal de Justiça, estará com um stand montado no Shopping Plaza Casa Forte, onde psicólogos e representantes da Vara da Infância darão orientações e esclarecerão dúvidas sobre a adoção. Ana Clara Lins e sua irmã Fátima Lins visitaram o stand para tirar algumas dúvidas, dentre as quais era como se deve proceder quando a criança é entregue diretamente pela mãe biológica ou colocada na porta da casa e como é o processo de adoção de crianças irmãs.
A dificuldade que crianças irmãs encontram de serem adotadas é que, na maioria dos casos, elas têm idades diferentes e muitas vezes uma das duas não corresponde à idade do perfil solicitado. Segundo Magali Andréia Barreto, representante da assistência social da 2ª Vara da Infância e da Juventude, a intenção do juizado é manter as crianças juntas, ou seja, que elas sejam adotadas pela mesma família. Para isso, eles dão prioridade ao cadastro dos pais que possibilitem essa adoção. No entanto, “nem por isso, nós vamos facilitar o processo. Os pais terão que se submeter às entrevistas, às visitas da assistente social, ao acompanhamento do psicólogo responsável da mesma forma que os pais que adotam uma única criança. Em alguns casos, o cuidado deve ser redobrado” – comenta.

Adoção interracial de gêmeos

“Não tinha a maternidade como a coisa mais importante da minha vida. Hoje, não saberia viver sem ter sido mãe de Hermes e Vitor” - Maria de Pompéia

Maria de Pompéia Pessoa tem 54 anos, é engenheira eletricista e mãe dos gêmeos Hermes e Vitor. Vinte anos atrás, casada e sem a possibilidade de ter filhos biológicos porque seu marido já havia feito a escolha da esterilização dele, Pompéia soube da história dos irmãos que seriam abandonados pela mãe e resolveu adotá-los. Diferentemente do comum, os filhos vieram até eles, sem que fosse necessário ficar na fila de espera. Ela conta: “eles tinham dois anos de vida e quando os peguei pela primeira vez nos braços, abracei e comecei a contar que eles eram adotados. As pessoas diziam ‘eles não entendem’. E eu dizia ‘mas eu entendo’. Eu estava deixando o assunto de adoção como uma coisa normal tanto para mim quanto para eles.”
Para ela, a adoção surgiu da necessidade que as crianças tinham de ter uma família, porque ela e o marido, José Aílton Pessoa, acreditam que esse é um direito de todos. Os meninos chegaram pelas mãos de uma assistente social que acompanhava a mãe biológica e, diante disso, aquela pediu para que Pompéia ficasse com as crianças por causa da dificuldade que elas teriam em ser adotadas. “Infelizmente, é muito difícil as pessoas quererem adotar irmãos, porque sempre acham que vai dar muito trabalho”, afirma.
Há vinte anos, o processo de adoção era diferente. As crianças ficaram com o casal e eles foram ao juizado, explicaram a situação e já saíram com o registro. Casos assim são mais difíceis hoje, porque, se isso acontecer, os pais deverão passar pela entrevista e esperar o parecer do Ministério Público. Segundo a assistente social Magali Andréia Barreto, hoje, com o cadastro único criado pelo juizado, há uma maior organização e controle. Além disso, as mudanças também podem ser vistas em relação à abertura que as pessoas têm para falar do assunto. Ela conta que, antigamente, era comum as famílias que adotavam não terem uma relação concreta de paternidade e maternidade e ouvia-se muito as pessoas dizerem “aquele é meu filho” e “aquele eu crio”. Quando Maria de Pompéia adotou os gêmeos, não havia os grupos de apoio e a adoção era assunto quase que sigiloso. Ela acredita que a importância da existência desses grupos se dá tanto para quem já é pai quanto para quem quer adotar, porque, apesar de hoje ser muito divulgado, ainda se tem muitas dificuldades. Ainda permeiam alguns mitos e medos de que a herança genética da criança possa afetar a relação com os pais. Mas na casa dela, isso não existiu.
Segundo ela, foi tranqüilo contar para os meninos que eles eram adotados, porque ela acredita que a verdade deve prevalecer. Ela acreditava que assim como eles aprenderiam que um se chamava Vitor e o outro, Hermes e que ela era a mãe e o outro, o pai, eles aprenderiam que eram adotados. “Quando eles começaram a crescer um pouquinho e estavam naquela fase de que, para dormir, tinha que ouvir história, a gente contava uma na qual havia uma mãe que tinha dois menininhos negros na barriga e que, quando eles nasceram, ela não podia ficar com eles. Aí eles ficaram com uma outra mãe, que ficou muito feliz. À medida que a gente ia contando isso para eles, eles começavam a se identificar e dizer: ‘Hermes e Vitor’. Era tão claro que, tinha dia em que eles chegavam para a gente e diziam: ‘a história de Hermes e Vitor hoje não’. E tinha dia também que chegavam e diziam: ‘mamãe, conta a história de Hermes e Vitor!’”. Isso mostra que a revelação da adoção foi muito natural na vida deles, mas que ainda constitui um obstáculo para as pessoas adotarem.
Em alguns momentos, a engenheira teve que enfrentar o preconceito por causa da cor dos meninos. Uma vez, antes de eles chegarem, uma tia dela perguntou qual era a cor deles. Mas ela não se importava com isso e respondeu com um humor característico: “sei não, tia. Eles não são fogão e geladeira para eu combinar a cor.” Essa questão faz Pompéia relembrar de outro fato que ela conta dando gargalhadas. “Às vezes, eu saía com eles e as pessoas chegavam e perguntavam, primeiramente: ‘são seus filhos?’ E eu dizia: ‘sim, são meus filhos’. E a segunda pergunta vinha rápida: ‘são seus filhos mesmo?’ ‘Sim, são meus filhos mesmo!’, eu dizia, afinal, eles eram mesmo meus filhos. Logo, havia a terceira: ‘puxaram ao pai?’ Então eu dizia ‘não sei, talvez’. E isso deixava as pessoas confusas.”
Mas isso não interferiu na criação dos meninos. Eles cresceram com a adoção sendo muito natural nas suas vidas e foram educados como se fossem filhos biológicos, porque são filhos independente de serem adotivos. A mãe declara “não tinha a maternidade como a coisa mais importante da minha vida. Hoje, não saberia viver sem ter sido mãe de Hermes e Vitor.” Aos quatro anos, eles foram capa de jornal e apareceram na televisão por serem adotados. Então, para eles, isso passou a ser uma vantagem. Depois dos meninos, Maria de Pompéia conta que houve mais adoções na família: a irmã dela adotou uma criança e a cunhada, gêmeos. Ela só lamenta por não ter tido o direito à licença maternidade para poder cuidar mais dos filhos quando eles chegaram. Mas apóia esse direito que hoje é concedido pela justiça para mães adotivas, de acordo com a idade da criança, porque, dessa forma, a adoção é vista como a efetivação de uma família ou outra forma de se ser pai e mãe, diferentemente do que era há 20 anos.

Um comentário:

  1. Cibelle - Assistente Social22 de junho de 2010 às 09:16

    Muito bacana o relato. Parabens as mães adotivas pela coragem e iniciativa que faltam a muitas famílias.

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